domingo, 7 de março de 2010

Misericórdia

Pequenos fatos podem significar muito. Trocar nome de rua, de aeroporto significa alguma coisa? Talvez sim. Por outro lado pouco importa, mas o fato é que se perde um pouco da memória. Fica uma lacuna na história.

A Rua da Misericórdia deveria ser a da Santa Casa. Para que ninguém esqueça que naquela local existe misericórdia para com as pessoas que precisam de ajuda médica. A Rua da Misericórdia existia. Não era a da frente. Ficava no fundo da Santa Casa, como que misericórdia fosse algo que causasse dó ou vergonha. Algum político trocou o nome da rua. A memória se perdeu.

A primeira Santa Casa de Misericórdia foi criada em Lisboa, pela rainha Dona Leonor, no ano de 1498. O propósito não era somente o tratamento de enfermos. Cuidava dos idosos, dos órfãos e dos enjeitados. Alimentava os miseráveis e enterrava os mortos.

Miserável é uma palavra tão forte, que quando a pronunciamos nos lembramos do romance de Victor Hugo. A miséria não é enredo de romance. Ela existe. Talvez ela não seja encontrada em Birigui, porque nossos enfermos desprovidos de recursos são encaminhados para outros hospitais da região. Misericórdia é um ato de solidariedade.

Não há registro na história e nem nos documentos a data de fundação da Santa Casa de São Paulo. Acredita-se que tenha sido em 1560. São Paulo cresceu e a Santa Casa também. Em 1884 ela foi instalada no atual prédio e hoje é a maior do mundo.

A Santa Casa de Birigui também foi criada nos mesmos moldes da de São Paulo. Foi construída pelo esforço da Irmandade e do povo. Birigui cresceu, mas a Santa Casa não. A administração foi subtraída da Irmandade e concedida a especuladores políticos.

Os propósitos da Irmandade era uma verdadeira missão. Prover recursos para a prática da caridade e da misericórdia. Socorrer doentes, inválidos e desamparados. Uma parte desta missão os políticos ainda não tocaram. Ainda resta solidariedade ao Recanto do Vovô.

A Santa Casa de Birigui não tem pronto socorro. Um empresário de nossa cidade foi baleado em um assalto. Foi levado à Santa Casa, mas os funcionários cumpriram a determinação da administração, encaminhando-o ao pronto socorro, que fica distante. O resultado foi óbito por falta de atendimento imediato.

Pior do que não ter pronto socorro é não ter médico. A Santa Casa tem o corpo clínico. Isto é uma coisa. Outra coisa é não ter médico de plantão. Quem vai atender uma emergência no hospital? O contrato de trabalho com os médicos plantonistas foi encerrado. Até o fechamento desta matéria não havia nova contratação.

Médico não é missionário. Missionários são os membros da Irmandade que provê recursos para o funcionamento da Santa Casa de Misericórdia para pagamento de justos salários aos médicos, enfermeiras e funcionários de manutenção do hospital.

Médico não é missionário. É um profissional como qualquer outro. Tem família, paga impostos, escola para os filhos e até médico. A diferença é que ele salva vidas. E para salvar vidas é preciso ter um hospital em perfeita condições de funcionamento.

Na última quinta-feira a sala de pré-parto estava impossibilitada de uso. Coincidência ou não, a suposta reforma da sala está sendo feita exatamente num período em que não há médico plantonista. Um desculpa contundente para encaminhar as parturientes para Penápolis.

Santa Casa de Misericórdia não foi criada para enriquecer seus proprietários, sobretudo porque ela não tem dono. Muito menos ser cabide de emprego e plataforma para políticos. Deveria ser como é a de São Paulo, que desde sua criação é administrada pela Irmandade, que é composta por voluntários.