domingo, 28 de janeiro de 2018

Misericóridia




Pequenos fatos podem significar muito. Trocar nome de rua ou de aeroporto significa alguma coisa? Talvez sim. Por outro lado pouco importa, mas o fato é que se perde um pouco da memória. Fica uma lacuna na história.

A Rua da Misericórdia deveria ser a rua da Santa Casa de Misericórdia. Para que ninguém esqueça, que naquele local existe misericórdia para com pessoas que precisam de ajuda médica. Em Birigui a Rua da Misericórdia existia. Não era a da frente. Ficava no fundo da Santa Casa, dando a impressão, que misericórdia fosse algo, que causasse dó ou vergonha. Algum político trocou o nome da rua. A memória se perdeu.

A primeira Santa Casa de Misericórdia foi criada em Lisboa pela rainha Dona Leonor, no ano de 1498. O propósito não era somente o tratamento de enfermos. Cuidava dos idosos, órfãos e dos enjeitados. Alimentava os miseráveis e enterrava os mortos sem família. O que hoje podemos chamar de moradores de rua.

Miserável é uma palavra tão forte, que quando a pronunciamos nos faz lembrar do romance de Victor Hugo. A miséria não é só enredo de romance. Ela existe. Talvez ela não seja encontrada, tão acentuadamente, em Birigui, porque nossos enfermos desprovidos de recursos são encaminhados para outros hospitais da região. Misericórdia é um ato de solidariedade.

Não há registro na história e nem nos documentos a data de fundação da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Acredita-se que tenha sido em 1560. São Paulo cresceu e a Santa Casa também. Em 1884 ela foi instalada no atual prédio e hoje é a maior do mundo.

A Santa Casa de Misericórdia de Birigui também foi criada nos mesmos moldes que a de São Paulo. Foi construída pelo esforço da Irmandade e do povo. Birigui cresceu, mas a Santa Casa não. A administração foi subtraída da Irmandade e concedida a especuladores políticos. E neste status permaneceu por décadas.

Os propósitos da Irmandade eram uma verdadeira missão. Prover recursos para a prática da caridade e da misericórdia. Socorrer doentes, inválidos e desamparados. Uma parte desta missão os políticos ainda não tocaram. Ainda resta solidariedade ao Recanto do Vovô, Abrigo Vó Tereza e outras entidades. Entretanto, não aos moldes e princípios da Santa Casa de Misericórdia, criada pela rainha, implantada em todo o reino de Portugal e que permanece até nossos dias.

O povo que é tido como ignorante e sem cultura, que certamente não vai ler este artigo, não fazem distinção entre Irmandade e Funcionários. A missão da Irmandade é prover recursos para o funcionamento da Santa Casa. Médicos, enfermeiras e demais funcionários não são missionários. São profissionais que salvam vidas e para tal recebem salários, nem sempre justos.

Santa Casa de Misericórdia não foi criada para enriquecer seus proprietários, sobretudo porque ela não tem dono. A Prefeitura suspendeu a intervenção. Não importa quem está à frente desta nova administração. Por fora está ficando uma bela viola. No saguão lê-se: Santa Casa de Birigui e abaixo Organização Social de Saúde. Será que os propósitos, que Dona Leonor criou para amparar os necessitados, não serão observados nesta nova Santa Casa? Certamente a misericórdia será mantida através do plano de saúde, que o governo, precariamente, mantém.

É uma pena. O povo paga devidamente os impostos, mas não recebe os benefícios, que estes impostos deveriam retornar em forma de bons hospitais, bons colégios e segurança. Em razão disto, a Santa Casa de Misericórdia precisa continuar a existir.