domingo, 14 de fevereiro de 2010

Trote

Alguns textos são eternos. E quanto mais se relê mais ensinamentos nós tiramos deles. O Antigo Testamento é uma fonte inesgotável de ensinamento e instruções.

Não faz muito tem João Ubaldo Ribeiro escreveu uma crônica. Daquelas que ficará para sempre na memória. Nela ele disse que o problema do Brasil não é o governo. O problema é o povo. O povo é a matéria prima de vereador, deputado estadual e federal, senador, prefeito, governador e para fechar com glória o presidente da república.

Não é que o Ubaldo tem razão. Todo ano a imprensa informa que os veteranos aplicam trotes violentos nos calouros. E todo ano a bestialidade se repete. Será que não é um defeito de fabricação?

Todos nós temos amigos que estão sempre na nossa lembrança. Eu tenho uma adorável amiga alemã. Muito educada e espiritualmente evoluída. Disse-me ela: “rezo desde minha casa até a escola, para não encontrar em meu caminho nenhuma mãe psicologicamente alterada. Rezo também pela paz e harmonia no ambiente escolar, para que minhas crianças consigam sobreviver à maldade de alguns colegas, cujos pais não educam, mais treinam seus filhos, desde cedo, a sobreviver num ambiente coletivo, brigando pela preferência, atropelando os colegas com o intuito de tirar vantagens em tudo que puder. Até mesmo subtrair objetos é tido por estes pais um ato de esperteza.”

“Primeiro dia de aula sabe como é. Aquele atropelo. Algumas mães estavam esperando sua vez para falar com a coordenadora e de repente chega uma destas mães que se julgam mais importante que as outras e vai direto falar com a coordenadora deixando todas as outras mães de boca aberta.”

Pensei um pouco e disse à minha amiga: a mãe é a forma da criança. Se esta forma tem defeito seguramente os filhos sairão com defeito de fabricação. A forma não é o útero. É a conduta, a educação que começa no berço.

“Depois do acontecimento com aquela mãe apressada voltei para casa pensativa. Será que estou tomando a decisão correta? Deixar minha doce filha com temperamento calmo e amoroso num ambiente tão hostil? Tentei me conformar dizendo a mim mesma: a escola tem um conceito de ensino muito bom. Minha filha terá que aprender a “sobreviver” em meio aos outros colegas. Talvez ela deixe de ser doce, meiga, e tão pura de espírito.”

O espírito imundo que os veteranos de faculdades têm, pode ter começou a se forjar lá no útero. Ou será que o feto não ouve, não sente nada em sua vida intra-uterina. A conversa dos pais não influi na educação dos filhos? Alguns pais não educam. Adestram.

Não é que o Ubaldo tem razão. Da mesma forma que a imprensa noticia os trotes, também informa o que os políticos estão fazendo. Propinas, dólares na cueca, nas meias e em paraísos fiscais. Em toda eleição a história se repete. Os mesmos políticos são reeleitos.

No diálogo com minha amiga chegamos à conclusão que vivemos recebendo trote todos os dias. Não há recompensa por ser educado e de bons costumes. Só progride quem tira vantagens.

Felizmente pessoas educadas e de bons costumes preferem a honra, a ordem, a amizade fraterna dos amigos e das mães do colégio que educam os filhos para a vida.

Alguns textos são eternos. Este do Rui Barbosa é um deles. “De tanto ver triunfar; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.”